Guilherme Gutman

“Quadros de uma Exposição”


Em suas telas Luiz d’Orey mostra muito; porém, mais do que tudo, ele deixa de mostrar. Como em seu admirado Vermeer, há dissimulações obtidas às custas de muito trabalho. Há também ausências e presenças de temas e de intenções sobre as quais ele não pode ter controle algum. É que elas vêm de um outro lugar, ainda que efeitos daquilo que, por assim dizer, marcou-o na carne.

Nos cartazes que recolhe em grandes rasgos, pelos tapumes novaiorquinos, há um delineamento mais solto; bem como o esforço para que as suas pinturas pareçam menos dicionarizadas.

Aliás, d’Orey é atento a todos os grandes mestres, bem como à produção contemporânea. Em uma de nossas conversas, me surpreendeu a sua ênfase sobre o impacto que Giotto teve sobre ele. Em outros desdobramentos de conversa, entendi que o ponto fundamental de conexão entre Luiz e o grande mestre diz respeito a um certo modo de presença dos elementos da composição pictórica. Sendo pré-renascentista, com Giotto temos uma composição na qual não há perspectiva, tal qual a conhecemos hoje; com d’Orey temos linhas incertas resultando em um delicado desequilíbrio.

A Influência deste elemento que, de forma libérrima, chamaremos “uma outra perspectiva”, pousa sobre a sua pintura, tendo entre ele e Giotto, o atravessamento de toda uma história da arte.

Suas pinturas - também o seu único meio de expressão -podem ser entendidas como uma espécie de provocação àqueles que o classificam como colagista. No seu caso, a colagem faz parte do método e não do trabalho pronto.
Podemos pensar também em uma pintura realizada com uma outra tinta: as cores e o acaso dos cartazes de canteiros de obras e a carpintaria de Luiz, que molha, que acrescenta e retira, que desenha e pinta, revelando e velando surpresas; combustível para a seriedade e a alegria com que ele trabalha.

A vertente de seu trabalho que incide sobre a pólis é dada fundamentalmente por seus passeios e pelas suas intervenções na cidade: já tendo retirado cartazes de um dado tapume, quando uma determinada pintura está pronta, retorna sob forma de cartaz ao tapume, constituindo assim um ciclo inventivo. Das ruas ao atelier, do atelier à ruas e, em uma nova sessão de caça aos cartazes, de volta ao atelier para virarem outro trabalho e assim ad infinitum.

Obviamente, este não é um critério de sua produção, mas ao lado de todo o engenho de seu processo, a sua pintura também é extremamente bela e até agradável.
Contudo, na série que ele expõe nesta sua individual, há duas ou três pinturas que são mais soturnas, filhas da noite (se diria), proporcionando à montagem, um equilíbrio elegante.

Onde estão todos os fantasmas de Luiz d’Orey?

Incentivado por Carlos Vergara, a perseguir “uma desconfiança”; pontuado por Raul Mourão para que faça desaparecer as evidências dos rasgos dos cartazes, Luiz o fez.
É assim, de modo dissimulado que ele apresenta os seus fantasmas.
Alguns, como já sabemos, ele faz sumir em suas pinturas; outros ainda estão por vir; ainda outros estarão no desamparo produzido pela ausência de figuras e nos fragmentos de palavras impressas.

Luiz dá a mão e acompanha o visitante como em “Quadros de um exposição”, de Mussorgsky. A caminhada começa tranquila mas, na medida em que se olha de perto algumas de suas pinturas, as águas se misturam e o norte fica mais distante no espaço expositivo.

Quase escuro. Quase luz. Quase plano.